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Direito Penal e Direito Constitucional.
Curiosidades
Professor VLADIMIR BALICO
ELEFANTÍASE JURÍDICA ou DESINTERIA LEGISLATIVA
Definitivamente estão sendo sepultados todos os mitos (de Rousseau) que
procuravam (no século XIX) dar credibilidade às leis (a lei é expressão da
vontade geral, o legislador legisla com justiça e só atende os interesses
gerais etc.).
Temos em vigor hoje no nosso país cerca de 28.000 normas jurídicas. Mais de
10.000 são leis ordinárias. Milhares de medidas provisórias. A fúria
legislativa é incessante: desde a promulgação da Constituição Federal
(05.10.88) até 28.02.02 foram editadas (nos três níveis da Federação:
Federal, Estadual e Municipal) 1.787.248 normas (incluindo-se emendas
constitucionais, leis, medidas provisórias, decretos e normas complementares
etc.).
Só no âmbito federal tivemos (até 28.02.02): 6 ementas de revisão, 35
emendas constitucionais, 2 leis delegadas, 55 leis complementares, 2.738 leis
ordinárias, 653 medidas provisórias, 5.491 medidas reeditadas, 7.181
decretos e 78.422 normas complementares (portarias, instruções, atos
normativos, ordens de serviço etc.) (cf. levantamento feito pelo Instituto
Brasileiro de Planejamento Tributário, Curitiba, in O Estado de S. Paulo de
14.04.02, p. A12).
Acabou, há muito tempo, a sábia lentidão do legislador (que demorava para
fazer uma lei, para que ela fosse bem feita). La sage lenteur foi
substituída por um turbilhão de leis mal elaboradas, retóricas,
demagógicas, desconexas e puramente simbólicas (só são aprovadas para
enganar a população). O caos normativo a que chegamos não tem nada de
similar na nossa História.
Pior é que, nesta era da descodificação, as leis vão sendo fabricadas
diuturnamente (dessa linha de produção estão saindo 41 normas a cada dia) e
nem sequer codificadas são. São leis esparsas (especiais), que estão se
amontoando sem nenhuma organização. Há tempos (nós, professores críticos)
estamos denunciando esse descalabro no nosso país e cada vez mais nos estão
dando razão.
Terrível é constatar que esse desastre está se transformando em hecatombe
em virtude da mentalidade positivista legalista (a lei é a dimensão do
Direito e dos direitos) que ainda predomina no ensino jurídico do nosso país
assim como na maioria das decisões dos nossos juízes. Desconhecem a dupla
normatividade (legal e constitucional) do Estado Constitucional e Democrático
de Direito, bem como suas naturais antinomias.
O horror ganha extensão incomensurável quando o professor ou o juiz
transmite aos alunos e à população a execrável lição de Kelsen no
sentido de que a justiça é um ideal irracional; não é acessível ao
conhecimento. A justiça está no direito positivo (nas leis vigentes); a
teoria pura do Direito o explica tal como ele é (tal como ele é dado pelas
leis); pergunte-se pelo Direito real e possível, não pelo Direito justo
(...).
Temos que sepultar (para sempre) essas lições de Kelsen. As leis que nossos
legisladores não dão (em geral um conjunto de palavras desconexas e
ininteligíveis) já não se corresponde ao Direito que nos damos (ou que
devemos nos dar). A verdade, o direito e a justiça, como diz Georges Duchén,
não podem depender de algumas bundas majoritárias que se levantam diante de
outras que ficaram sentadas.
Neste princípio de terceiro milênio já não há espaço para o jurista com
a mentalidade do segundo. É preciso reconhecer que a sabedoria legislativa
acabou, que a coerência das leis desapareceu. As leis que nos dão são
fontes de muitas incertezas, confusão e crise. Jurista sábio, nesta era, é
o que conhece e aplica os princípios gerais do direito, que é nossa tábua
de salvação.
Justiça principiológica é a que aplica os princípios básicos e
elementares do Direito. Só assim se consegue alguma coerência na aplicação
dessa enxurrada de leis. De multitudo legum, unum ius!. Mais importa a
justitia normans que o ius normatum (mais importa a justiça de cada caso
concreto que as leis escritas). A lei, em suma, é o ponto de partida para se
descobrir o justo em cada caso, mas nem sempre é o ponto de chegada, que
exige bom conhecimento dos valores constitucionais assim como dos princípios
gerais do Direito.