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Acórdão Sobre
Abuso de Autoridade
RESPONSABILIDADE
CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ABUSO DE AUTORIDADE POLICIAL.
EXCESSO NA ABORDAGEM PRATICADA POR POLICIAIS MILITARES. DEVER DE INDENIZAR.
Ação de indenização. Abuso de autoridade policial. Excesso na abordagem de
veículo que transportava o autor e seus acompanhantes praticada por policiais
militares. Arbitrariedade e ilegalidade na conduta dos policiais.
Lesão na esfera íntima da vítima comprovada. Dever de indenizar o abalo
moral sofrido em decorrência da prática do ato ilícito. Manutenção do
quantum indenizatório nos moldes fixados pelo julgador monocrático.
Inaplicabilidade do artigo 21, parágrafo único do Código de Processo Civil.
APELO IMPROVIDO.
APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO QUINTA CÂMARA CÍVEL
N° 70002272755 PORTO ALEGRE
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL APELANTE
CLAUDINOR CERON APELADO(A)
EXMA SRA DRA JUIZA DE DIREITO DA 5V DOS FEITOS DA FAZ PUBL COM
POA APRESENTANTE
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Estado, à unanimidade, negar provimento ao apelo. Custas, na
forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores
Desembargadores, Marco Aurélio dos Santos Caminha, e Ana Maria Nedel
Scalzilli .
Porto Alegre, 08 de novembro de 2001.
DES. CARLOS ALBERTO BENCKE,
Relator.
RELATÓRIO
DES. CARLOS ALBERTO BENCKE (RELATOR) - ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL apela da
sentença que, nos autos da Ação de Indenização que lhe move CLAUDIONIR
CERON, julgou procedente o pedido, condenando o requerido a pagar ao autor, a
título de dano moral, a importância equivalente a cem salários mínimos
vigentes ao pagamento, bem assim a pagar honorários de seu patrono fixados em
10% sobre o valor final da condenação.
Alega o apelante que estavam os policiais militares no exercício de sua
atribuição constitucional, a teor do disposto no artigo 144, § 5º, da
Constituição Federal. Afirma que, conforme se observa da prova testemunhal
produzida durante a instrução, restou claro que o autor só foi abordado
porque agiu de forma suspeita, não parando o veículo no momento em que
percebeu a sinalização a ele dirigida. Em nome da segurança pública, é
totalmente lícita e regular a conduta da autoridade policial no sentido de
abordar cidadãos a fim de evitar eventuais ilícitos, e se maior rigor houve,
há que se considerar este como decorrente da fundada suspeita que houve em
virtude da recusa do autor a atender a abordagem policial legítima, como
admitiu um de seus acompanhantes e agora testemunha. Aduz que, mesmo admitida
a prática de empurrões ou chutes, ainda assim, há que se considerar que a vítima
contribuiu com a sua conduta para o desenrolar dos fatos. Além disso, não há
qualquer prova de que tenha decorrido ao autor problemas psicológicos de
molde a justificar indenização a título de dano moral. Em caso de manutenção
da sentença, a redução do quantum indenizatório é medida
que se impõe, devendo ser arbitrada a quantia em cinco salários mínimos,
vigentes à data do fato, além de ser condenado o requerente ao pagamento de
verba honorária em favor do estado, vez que a condenação não foi nos
termos requeridos pelo autor na inicial. Postula a reforma da sentença.
Contra-razões às fls. 202/206.
Parecer do Procurador de Justiça exarado às fls. 209/215, propugnando pelo
parcial provimento do apelo.
Preparados, vieram os autos por distribuição.
É o relatório.
VOTO
DES. CARLOS ALBERTO BENCKE (RELATOR) - Não merece acolhimento a
inconformidade expendida.
Tocante à inexistência de dano moral, ou mesmo de redução do valor fixado,
totalmente descabida a pretensão.
Conforme se colhe da prova produzida nos autos, efetivamente a conduta adotada
no episódio em comento por parte dos policiais militares foi indubitavelmente
irregular e inadequada.
Por certo, como bem sustenta o Procurador do Estado, em nome da segurança pública
é totalmente lícita e regular a conduta da autoridade policial no sentido de
abordar cidadãos a fim de evitar eventuais ilícitos. Entretanto, e
transmuda-se em figura diversamente da propalada, constranger, ameaçar e
humilhar os cidadãos no exercício da atividade é ato ilícito que deve ser
punido com vista a coibir prática semelhante futura.
No caso em exame, restou sobejamente provada a ilicitude da conduta dos
policiais que abordaram o autor e seus acompanhantes por ocasião da averiguação
do veículo que os transportava.
A forma brutal e humilhante com que foi tratado o requerente revolta
qualquer cidadão, seja ele pároco da igreja católica ou não, pois degrada
a própria condição humana. No momento em que o indivíduo, mesmo que
suspeito,não pode se defender por óbice imposto por aqueles que o acusam, a
própria garantia constitucionalmente assegurada da integridade, ampla defesa
e contraditório revela-se mero dispositivo de lei sem função prática
social.
Quando a polícia, que é quem deve proteger o cidadão e preservar a segurança
de toda a sociedade, atua com barbárie sem qualquer justificativa ou
fundamento, toda a população está ameaçada, pois a arbitrariedade, se não
refreada, dissipa-se com tamanha facilidade que os direitos e garantias não
mais serão lembrados, quiçá respeitados.
A alegação de que o demandante estava agindo de maneira suspeita não
encontra qualquer guarida no conjunto probatório dos autos, inexistindo
sequer adminículo de prova neste sentido.
O magistrado monocrático, ao aduzir que "muito embora pareça absurda
admissão, forçoso é reconhecer que os policiais militares, até pelas
características próprias de sua função, destinada sobretudo a manter a
ordem em presença de seus transgressores, em sua maioria composta por
marginais perigosos, agem normalmente com truculência e rispidez, cuidando
antes de render o indivíduo alvo de sua ação para depois questionar-lhe a
conduta" tem sua razão.
No entanto, não se pode permitir tratamento igualitário para os desiguais, o
que estaria ocorrendo caso permitíssemos a mesma abordagem utilizada com
marginais de alta periculosidade e indivíduos honestos e cumpridores de seus
deveres, quando mais se considerarmos a ausência de fato que demonstre juízo
em contrário. Todos tem direito a um tratamento digno, mas analisado o caso
com suas peculiaridades, pois existem situações em que é exigida atitude drástica
e violenta por parte dos policiais. Mas este, extreme de dúvidas, não era o
caso envolvendo o autor. Houve excesso, e este deve ser devidamente punido.
E quanto a efetiva existência do dano moral, nada há a perquirir-se de modo
contrário.
É flagrante a violenta dor que atingiu a esfera íntima do apelado, acentuada
por sua condição de sacerdote da igreja católica, alvo de deboches e piadas
de mau gosto praticadas por aqueles que, naquele momento, manchavam sua
dignidade e denegriam sua condição humana. Nem se fale das lesões corporais
sofridas, e devidamente atestadas pelo Departamento Médico Legal à fl. 26
dos autos, que só vem a corroborar a mácula na honra subjetiva do autor, que
foi constrangido publicamente pela veiculação da notícia em jornais locais,
e certamente sofreu abalos em sua reputação dentro da própria comunidade em
que costumava desenvolver suas atividades sociais.
Dentro deste contexto, entendo que o valor fixado pelo julgador de primeiro
grau mostra-se consentâneo com o abalo sofrido, a repercussão obtida, a
condição do ofensor e vítima, bem assim serve para evitar a reincidência
em futuras práticas ilícitas semelhantes. Ressalto que mantenho a condenação
em salários mínimos vigentes à época do efetivo pagamento, porquanto
inexistente qualquer óbice a este respeito, sendo justo que se respeite os
valores que serão desembolsados no momento do adimplemento da obrigação.
Por derradeiro, não encontra guarida a pretensão relativa ao pagamento de
verba honorária ao Estado, pois o valor lançado na inicial pelo autor
tratou-se de mera estimativa pela parte deduzida quanto ao valor da
indenização pleiteada. O autor sagrou-se vitorioso na totalidade de seu
pedido, qual seja, obter reparação por dano moral sofrido em virtude de ato
ilícito cometido, não incidindo assim no disposto pela regra insculpida no
artigo 21, parágrafo único do CPC, devendo o ônus da sucumbência
permanecer na totalidade a cargo da parte vencida.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso, mantendo a sentença em todos
os seus ulteriores termos, em reexame necessário.
DES. MARCO AURÉLIO DOS SANTOS CAMINHA (REVISOR) - De acordo.
DESª ANA MARIA NEDEL SCALZILLI- De acordo